"Trabalhávamos muitíssimas horas por dia, nesta nossa criação"

» Sandra Roque, atriz há 10 anos
Sandra Roque, atriz portuguesa, 'deixou' um pouco à parte os pequenos ecrãs para se dedicar num novo projeto que já conta com 7 anos de existência, a Companhia de Actores (CDA). A aposta na sua formação não se ficou por território nacional, viajando até aos Estados Unidos da América, onde completou o curso Major in Theatre and Theatre Arts, em 2009, e que considera ser "fundamental para o seu trabalho". Com esta formação Sandra Roque valoriza, ainda, a sua formação como bailarina, para a área do teatro: "A minha formação e experiência profissional como bailarina são uma mais-valia". 

Sei que está inserida no Projeto Companhia de Actores (CDA), em conjunto com António Terra, Valéria Carvalho, entre outros. Como surgiu esta ideia?
Surgiu a partir do desejo que o António tinha de dar continuidade ao trabalho que desenvolveu com alguns alunos seus, juntamente com o sonho de dispor de um espaço/tempo, para exercício dos instrumentos do ator e pesquisa de uma linguagem própria do seu trabalho. Na altura, eu era assistente dele e, como estávamos muitas horas juntos, conversávamos sobre essa possibilidade. Eu partilhava desses interesses e acabámos por decidir formar uma companhia, com intuito de perseguir esses objetivos. Depois convidámos mais quatro pessoas, para um grupo inicial de seis, que acabou por crescer para nove. Por um lado, seríamos todos “cobaias” do António para sua experimentação, por outro teríamos a oportunidade de estar em formação contínua. 

Atualmente, está a integrar algum projeto?
Um projecto de fundo, é a CDA, em si, com a qual por vezes me envolvo a 100% na criação e produção de diferentes projetos e noutras vezes, como atualmente, me envolvo apenas como atriz em espetáculos específicos. Vim agora de Nova Iorque, onde fiz algumas leituras interessantes e voltei com algumas ideias que gostaria de concretizar.
Fora da Companhia, fui convidada para integrar o elenco de um espetáculo que ainda está numa fase embrionária, pelo que não há muito que possa dizer além de que deverá ser uma comédia. E estão ainda a passar cenas minhas, como Paula Bastos, nos Morangos com Açúcar, mas já terminei as gravações.

Já teve participações em telenovelas, mas já algum tempo que não a vemos nos ecrãs televisivos. Passou a dedicar-se mais ao teatro?
Sim, de certa forma. Com as exigências da formação e sustentabilidade da Companhia, deixei de ter tempo para grandes coisas fora da mesma, sendo que desde o seu nascimento e até ir para os EUA, apenas atuei nalguns episódios da novela “Queridas feras”, em 2004, nos "Morangos om Açucar" em 2005 e na série “Sete vidas” em 2006. Houve mesmo uma altura em que nem na CDA havia tempo para ser atriz, tendo que me dedicar exclusivamente à sobrevivência da estrutura, onde sempre fiz de tudo, desde a escrita de projetos, captação de recursos, produção, assessoria de imprensa, tradução e adaptação de textos, captação de imagens, etc.. Trabalhávamos muitíssimas horas por dia, com toda a fé nesta nossa criação. Ao fim de três anos fui para Nova Iorque e voltei com vontade regressar ao pequeno ecrã (onde já estive por mais duas vezes: um scketch humorístico com o Rui Unas n’ “A última ceia” e agora a oitava série dos Morangos) e de estrear em grande no grande! Ahah!
 
Qual foi a personagem que mais a marcou?
É difícil dizer... bom, esquecendo as personagens incríveis que só trabalhei para as aulas lá em Nova Iorque... Em teatro, talvez a Sílvia, de “Mão na luva” (Oduvaldo Vianna Filho), pelo tempo que esteve comigo e pela oportunidade que isso me deu de a descobrir e aprofundar. Por outro lado, a May, de “Loucos por amor” (Sam Shepard) é uma paixão antiga. Em televisão, apesar de ter sido mais “pequena” que outras que interpretei, a Rute Lima, de “Saber amar”, foi um marco na minha maturidade interpretativa. AH! E não me posso esquecer do meu querido Michael, uma das minhas personagens da série de animação Peter Pan. Adorei o Michael...!

Considera que o facto de ter tido formação como bailarina a pode ajudar no seu trabalho como atriz?
A minha formação e experiência profissional como bailarina são uma mais-valia e agora também o início do meu percurso nas artes marciais pode ser interessante para interpretar outro tipo de personagens!  Ahah!

Quando esteve em Nova Iorque 'atualizou' a sua formação enquanto atriz. Mas onde é que incidiu a sua formação? 
A minha formação teve diferentes áreas de incidência. O trabalho com o António foi fundamental. À parte do que eu já tinha, de domínio corporal e experiência de palcos/televisão, em termos de trabalho teatral, foi com ele que dei os primeiros passos e os cimentei. Entre outras coisas, trabalhámos muito com improvisação. Mas foi também muito importante outra formação que fiz com diversos profissionais nacionais e estrangeiros em técnicas de interpretação, como o Método/Sensory (Stanislavsky/Strasberg), EMDR, teatro visual, teatro físico, interpretação para câmaras... bem como em áreas complementares: estudo de cena, análise de texto, combate cénico, physical storytelling, movimento para o ator, máscara neutra, técnicas de casting, voz, história do teatro, canto e escrita para teatro,entre diversas outras. A formação no HB Studio, em Nova Iorque, foi a de incidência mais prolongada numa técnica específica (Hagen technique).

Tem algum ritual antes de entrar em palco ou de começar a gravar?
Tenho. Mais no teatro que em televisão. Gosto de chegar duas horas antes do espetáculo... e gosto de ter um espaço no camarim que seja “meu”, durante a temporada. Tenho uma série de objetos que disponho nesse espaço quando chego e que guardo no fim da peça. Uns representam os Elementos da Natureza, outros são amuletos. Com roupa confortável, aqueço um pouco corpo e voz e depois gosto de ficar em silêncio enquanto me maquilho, já entrando no universo da personagem. Raramente esse silêncio é possível quando há outras pessoas no camarim, que é o que acontece na maioria das vezes... ahah, mas de alguma forma retiro-me do meu quotidiano de Sandra, para o desta outra pessoa que depende de mim. Quando já estou pronta, volto a aquecer corpo e voz e quando estou quase a entrar, fico pela coxia, em comportamento da personagem.

Existe alguma técnica para decorar mais rapidamente os textos?
Isso é uma coisa que intriga muita gente, não é? Como é que os actores fazem para decorar aquilo tudo! Acho que não existem técnicas que se apliquem a todos nós. Eu uso técnicas diferentes, de acordo com o meio em que estou a trabalhar (teatro ou ecrã) e com as exigências quanto à altura em que o material deve estar decorado. Mas, de facto, tenho uma técnica com que me dou bem sempre que preciso de fixar em pouco tempo: Depois de ler/conhecer a cena, repito a primeira frase diversas vezes – sempre “a seco” (em branco), ou seja, sem lhe dar uma entoação, uma motivação específica. Isto, até a saber bem. Depois repito a frase seguinte. Quando sei a segunda, repito as duas seguidas, diversas vezes, com velocidade crescente até conseguir dize-las muito rapidamente, sem hesitar. Depois faço o mesmo com a terceira e junto as três... e assim sucessivamente, até ao final do texto. Por vezes memorizo mais de uma frase de cada vez, mas sempre com este processo. Pessoalmente, quando tenho interlocutores na cena, estudo SEMPRE o que eles dizem. Pelo menos o “sumo” das suas palavras. Nunca só as deixas. NUNCA! E sinceramente, acho que isso me ajuda a memorizar, porque tenho uma boa percepção de toda a cena.
Mas decorar qualquer pessoa consegue fazer, com mais ou menos tempo, com uma ou outra técnica. O desafio está no resto... e parte dele consiste em falar como quem não sabe o que vai dizer e escutar como quem não sabe o que vai ouvir! 

    Escrita Teatral

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